# 18❦ Amores, dores e pipocas literárias
A dor de não ter certeza sobre ser amado: os discursos machistas que oferecem sentido ao vazio, transformam a vítima em mártir e os outros em inimigos— combinação que leva a um crime anunciado.
“Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada”.
— Sigmund Freud.
“Posso te fazer uma pergunta? Você gosta de mim? Você me acha legal?”
A ira masculina na atualidade…
Em décadas enquanto terapeuta, eu já escutei e acompanhei inúmeros casos clínicos. E essa série me lembrou muitos deles… Ainda estou fortemente emocionado…
O barulho das sirenes toma conta do quarteirão. A polícia cerca a casa, os rádios chiando entre ordens urgentes e estratégias de invasão. Dentro de mim, o desespero cresce junto com os gritos da mulher que implora para que não matem seus filhos. O pai surge na escada, as mãos erguidas, olhos arregalados, tentando conter o colapso da realidade. "São crianças!", eles gritam. Mas eu já sei que não há garantias. O menino, que ainda dorme em seu quarto decorado como um planeta distante, desperta sob a mira de armas e acusações de homicídio. Ele grita pelo pai, incapaz de conter a urina que mancha o pijama. Como isso pode ser real? Como uma adolescência pode ser invadida assim, pela brutalidade?
A resposta não está na casa, nem na história desse menino isolado em sua infância digital. A resposta está em uma máquina maior, invisível, que subjuga as identidades e as molda a partir do desejo de pertencimento. Lembro das palavras da psicóloga: "Você tem noção de que essa vida acabou?" Mas não é só uma vida. São várias que se destroem no rastro de um crime. A irmã, o pai, a mãe... a casa se torna um campo de ruínas, onde os escombros da culpa se acumulam silenciosamente. O pai tenta esconder a vergonha, o medo de nunca ter sido suficiente. Ele olha para trás e enxerga apenas falhas – o menino no futebol, o menino sofrendo bullying, o menino buscando no olhar do pai uma validação que nunca veio.
A polícia acredita ter encontrado um culpado, mas eu sei que há uma engrenagem anterior a isso. Nossos filhos são modelados por forças que escapam ao controle da família, que se infiltram na sua formação antes que possamos compreender. O que chamamos de "filho dos outros" é um reflexo do que escolhemos não enxergar nos nossos. O dispositivo familiar, há mais de um século, organiza-se para separar adultos e crianças, para criar uma norma de pertencimento. Mas há falhas nessa máquina. Há exceções que não cabem nela. Psicopatologias, delinquências, diferenças. E, muitas vezes, esses filhos "dos outros" são aqueles que não queremos reconhecer como nossos.
Na loja de construção, vejo um grupo de homens prontos para abraçar o pai de Jamie, oferecendo-lhe uma narrativa alternativa. "Foi armação, nós estamos do seu lado." A masculinidade ferida encontra consolo em teorias que negam a realidade. Um financiamento coletivo para pagar advogados, uma comunidade de homens ressentidos que se fortalecem no ódio. O pai escuta, desnorteado, e por um momento vacila entre a culpa e a absolvição fictícia que lhe oferecem. Mas eu sei que, no fundo, ele já entendeu. Ele viu o vídeo. Ele sabe o que aconteceu. E, no entanto, a dúvida o corrói. Onde foi que eu errei?
O menino, em sua cela, liga para dar feliz aniversário ao pai. A conversa é breve, hesitante, até que ele diz: "Pai, estou pensando em mudar meu depoimento. Vou me declarar culpado." O silêncio se instala. A mãe e a irmã tentam continuar a conversa, choram baixinho, mas o pai para de falar. Seu olhar distante é o mesmo que o menino buscava quando errava no futebol, quando sofria bullying, quando era ignorado nos momentos em que mais precisava ser visto. Agora, no telefone, acontece de novo. O olhar que se desvia, a decepção que não precisa ser verbalizada para ser sentida.
Eu vejo como essa dor se perpetua. Como os homens aprendem, desde cedo, a conter o afeto, a substituir o amor pelo silêncio, a transformar a fragilidade em uma panela de pressão pronta para explodir. O pai nunca bateu no filho. Ele não queria repetir a violência do próprio pai. Mas também nunca aprendeu a dizer "eu te amo". Nunca aprendeu a abraçar. Freud já dizia: a força de alguém vem da certeza de que é amado. Se essa certeza nunca existiu, o que sobra? (Link)
E então me dou conta de que não estamos falando apenas de uma família. Estamos falando de um sistema inteiro. Um sistema em que nossos filhos crescem dentro de uma outra máquina de subjetivação – a máquina virtual. Ali, ninguém é filho de ninguém. Ali, a lógica não é do afeto, mas da sobrevivência digital. Estar presente, ser visto, ser validado. Ou ser destruído. O cancelamento, a exposição, a crueldade sem rosto que aniquila identidades. O medo de não existir se torna uma força motriz. Jamie não matou por ódio. Ele matou para não ser morto.
E essa é a questão mais assustadora. A cultura do duplo, do avatar, do eu que não sou eu, transforma a identidade em um campo de guerra. O adolescente olha para o espelho e se pergunta se é real. E, quando essa dúvida se torna insuportável, ele precisa agir. Se a máquina virtual ensina que a aniquilação do outro é a única forma de permanecer, a crueldade se torna um mecanismo de defesa (Link).
É isso que a série mostra, de maneira avassaladora. Não há resposta simples. Não há vilões óbvios. Há apenas um sistema que engole seus filhos, os nossos filhos, e os cospe como criminosos, como vítimas, como fantasmas de uma existência interrompida. O pai de Jamie se pergunta onde errou, mas talvez a pergunta certa seja: onde erramos todos?
O silêncio do pai, o choro da mãe, a fúria dos adolescentes na rua. Tudo isso faz parte de um mesmo ciclo. Um ciclo que precisamos romper. Precisamos nos conectar com nossos filhos, especialmente os meninos. Precisamos falar sobre sentimentos, aprender a demonstrar amor antes que seja tarde demais. Porque a verdade é que não dá para passar por uma vida sem sentir. E, se não ensinamos nossos filhos a sentir, outra máquina fará isso por nós.
Rejeição e crueldade do afeto negado: a masculinidade destituída de si mesma na série "Adolescência" da Netflix. O apoio emocional na terapia para jovens (pais e filhos) em uma sociedade adoecida.
Questões fundamentais como bullying, cyberbulling, desenvolvimento da identidade, modificações físicas, relacionamento com os colegas, diferenças geracionais entre pais e filhos, terapia como importante, mesmo os pais mais bem intencionados podem viver uma desconexão com o universo que os filhos vivem, compreensão e apoio da família e amigos, insegurança com o próprio corpo, acolhido,
Seus pais sabem como são as suas relações e comportamentos nos ambientes que você frequenta?
Alunos rindo e brincando com a morte da jovem…
O deserto emocional causado pelo sofrimento não compartilhado e incompreendido, quando se tem um discurso que oferece algum tipo de sentido para aquela dor, de uma forma que coloque aquela pessoa como vítima, porque os outros são os inimigos, é um prato cheio para um crime anunciado.
Jack Thorne, um dos criadores da série, explicou que ele e sua equipe queriam "olhar nos olhos da ira masculina". Segundo ele, o personagem central foi "doutrinado por vozes" como a de Andrew Tate — o polêmico influenciador que se declara abertamente misógino — e "vozes ainda mais perigosas". Thorne compartilhou essa reflexão no programa Front Row, da BBC Radio 4.
A atriz Erin Doherty, que interpreta uma psicóloga infantil na série, comentou no programa Today, também da BBC Radio 4, que a produção tem a coragem de ir desfazendo camadas e trazer essas questões para o debate. "Esses problemas continuam aparecendo nas notícias, e o que podemos fazer é manter essa conversa aberta", disse. Ela acredita que a série permite que pais, tios, tias e amigos também participem dessa discussão.
Um dos grandes destaques da produção é sua técnica cinematográfica: cada episódio foi filmado em uma única tomada contínua, sem cortes. No The Guardian, Mangan elogiou a escolha, afirmando que "os feitos técnicos da série são acompanhados por atuações dignas de prêmios e um roteiro intensamente naturalista e profundamente evocativo". Ela descreveu "Adolescência" como "uma experiência profundamente comovente e devastadora".
A crítica de The Times, assinada por Peck, é entusiasmada: "Uau! Uau! Dá vontade de escrever a palavra 'uau' mais umas 700 vezes, seguida de 'Não perca Adolescência na Netflix', e pronto". Anita Singh, do Telegraph, também destacou o impacto da produção, afirmando que "foi uma experiência devastadora" e que "é um drama silenciosamente arrasador que não vou esquecer tão cedo".
A atuação do elenco foi amplamente elogiada. Singh apontou que, embora Graham seja "o melhor ator da atualidade", a atuação realmente notável é a de Owen Cooper, que "transita entre a vulnerabilidade, a raiva, a bravura e o medo de maneira impressionante". Jake Kanter, do Deadline, classificou a série como "o drama de quatro horas mais impecável que já vi na TV". Alan Sepinwall, da Rolling Stone, a definiu como "uma das melhores produções — e uma forte candidata a melhor do ano".
Margaret Lyons, do New York Times, destacou o terceiro episódio como "uma das horas de televisão mais fascinantes que assisti em muito tempo". No programa Must Watch, da BBC Radio 5 Live, Hayley Campbell reforçou que a série não busca oferecer respostas, mas expõe e analisa a misoginia crescente, especialmente entre os jovens. "Não se trata de Andrew Tate, embora ele seja mencionado. A série fala mais sobre o horror de ter tão pouco controle sobre seu filho e o que ele faz no celular", afirmou.
O crítico Scott Bryan acrescentou: "As atuações são absolutamente fantásticas. Eu diria que é impecável. Mas quem realmente merece o maior reconhecimento é Owen Cooper, de 15 anos".
"Adolescência" não apenas impressiona tecnicamente e narrativamente, mas também traz uma reflexão sobre a necessidade de um olhar atento aos jovens. A série sugere que, apesar de todos os desafios, às vezes basta um adulto que preste atenção para fazer a diferença. Alguém que enxergue o adolescente quando ele mais precisa (Link).
Quais questões envolvendo a psicologia, psicanálise e psiquiatria você gostaria de saber sobre a série?
Amores, dores e pipocas literárias
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Essa série foi uma experiência muito intensa, adorei a análise!
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