# 15❦ Amores, dores e pipocas literárias
Amor, para ele, resumia-se a duas coisas: abandono e abuso. Em sua mente, e esse era o nó que eu tentava desfazer, ser amado significava ser abusado. Como não desistir ao ver uma criança sofrer tanto?
Quando um paciente que foi vítima de abusos retorna ao lar onde seu agressor ainda reside e se envolve em relações "amorosas" que perpetuam os mesmos abusos sofridos na infância.
Esse caso foi um dos mais difíceis que já atendi. Questionei-me, inclusive, se o que eu estava fazendo no consultório era realmente “certo” — uma dúvida que ainda me acompanha, pois me pergunto constantemente sobre a eficácia da minha técnica psicoterapêutica. Além disso, houve (e ainda há) dias em que me pergunto: como não desistir de clinicar em meio a tanta dor que parece não ter fim?
O paciente tinha 12 anos e já vivia em lares (alguns conhecem como abrigos) mantidos pela prefeitura há mais de cinco anos. Fugira inúmeras vezes e retornara outras tantas — ora para viver o que chamava de “liberdade”, ora para “voltar para minha casa”. Nessa casa, onde fora abusado, ainda morava o agressor: um pedófilo de quase 50 anos. Evito usar a palavra "estupro", mas foi exatamente isso que aquele homem (em minha mente, surge a palavra *desgraçado!*) fez com o paciente. E não apenas uma vez…
— Eu vou fugir para a casa da minha tia, aham, vou sim.
— Mas nessa casa não está o seu tio que abusou de você?
— Se ele tentar de novo eu dou um soco nele, eu mato ele!
— E aquela mulher de 20 anos que você me falou?
— Você não falou nada sobre eu matar meu tio…
— Eu entendo esse desejo… Mas também quero saber sobre essa mulher de 30 que está se aproximando de você…
Claramente essa mulher que estava se aproximando dele também era uma abusadora. E a fuga que ele mencionou em nossa conversa aconteceu. Os meses alternados em que o paciente viveu na rua, após fugir de casa aos 7 anos de idade, conferiam a ele uma experiência de mundo que eu jamais viria a ter. Sobreviver em meio a falta total de segurança, mais uma vez, visto que dentro de casa ele também não tinha nenhuma, e das privações de todos os tipos, adiantaram a “maturidade” dele.
Acabaram com a sua inocência, criaram um vinco profundo na sua psique e destruíram com a sua capacidade de acreditar que a vida pode melhorar.
Filho de uma mãe usuária de drogas, que foi morta pelo pai em uma discussão, ele havia crescido cuidado pela tia, irmã de sua mãe, e pelo tio (abusador) esposo dela. A tia não acreditou quando ele contou sobre os estupros frequentes. Aí ele fugiu. Morou na rua durante meses até que o Conselho Tutelar o identificou em uma abordagem, quando foi pego junto com outros garotos acusados de furto. Na rua, sofreu abusos de vários tipos, mais um dentre tantos que já havia sofrido.
E agora ele havia se envolvido com uma mulher que dizia “querer" ajudar. Mas que estava claramente aliciando ele, trocando toques de “carinho” e beijos por uma promessa de que se ele fugisse do lar-abrigo da prefeitura, ela daria “todo o amor do mundo” para ele.
Amor, para ele, resumia-se a duas coisas: abandono e abuso. Em sua mente — e esse era o nó que eu tentava desfazer — ser amado significava ser abusado.
Continua…
Amores, dores e pipocas literárias
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Esta pesquisa tem por objetivo analisar a intervenção psicanalítica com jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Nesse contexto especial, essa clínica adquire novos formatos, sobretudo no manejo da transferência, e em alguns elementos da técnica. Por esta razão, este estudo traz a articulação teórica da psicanálise com a experiência vivenciada em uma unidade de internação para adolescentes infratores. Por conceber que a intervenção psicanalítica circunscreve-se na díade paciente–analista, a “comum-idade” – o sujeito adolescente – é o foco da discussão, que também aborda o conceito de sujeito, especialmente o freudiano. Em seguida, reflexões psicanalíticas pertinentes à adolescência foram consideradas, bem como as temáticas relacionadas à formação de grupos, às famílias dos jovens, à sociedade e ao universo infracional – nesse ponto, surge o segundo sentido da terminologia “comum-idade”: a comunidade em si, que não exclui a tensão dialética entre o sujeito e o social, a família, o grupo, ou mesmo entre o sujeito e a unidade socioeducativa.
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