#5 Quando aposentou o Palhaço, viveu o arregaço — O amor que buscamos nas palavras que calamos
De inúmeros pacientes que atendi, possivelmente esse foi um dos casos mais dilacerantes: palhaço durante 40 anos, só começou a olhar para si mesmo aos 56 anos.
— Eu tenho uma piada para contar: Qual é a panela que está sempre triste? A panela depressão.
— É com o que estamos lidando aqui? Com depressão? (pergunto eu com seriedade)
— Você não riu (faz cara de triste). Eu falei isso aleatoriamente, Doutoris.
— Você me disse que havia aposentado “o palhaço”? E ele volta quando falamos da sua vida após o circo.
Ele chegou ao consultório após completar 56 anos de vida, cinco meses após o circo em que trabalhou durante 40 anos fechar. No começo havia, é claro, risos e piadas. Quase impossível não rir junto ao paciente. Ele realmente era muito bom no que fazia: levar os outros ao riso. Mas ao passo que as sessões avançavam, era aparente que o arregaço do que é viver estava apenas começando.
Quando trabalho e vida pessoal se misturam, sempre há algo que é deixado de lado: às vezes a si mesmo.
Freud entendia o riso, mais conhecido como “chiste” na psicanálise, como “manifestações do inconsciente que podem revelar aspectos profundos da personalidade do paciente. Eles podem ser uma forma de expressão de desejos, medos, conflitos e fantasias reprimidas” (link). A palavra chiste, oriunda do alemão Witz, significa “gracejo”, e é encontrada na obra de Freud, que o define como uma espécie de válvula de escape de nosso inconsciente, utilizado para dizer, em tom de brincadeira, aquilo que verdadeiramente se deseja.
O paciente, que havia trabalhado como palhaço durante 40 anos, entendia a piada como algo comum ao seu cotidiano. E no consultório, não haveria de ser diferente. Eu me sentia extremamente incomodado, afinal, não é o consultório de um psicanalista um lugar de seriedade, por excelência? Não se espera que ali exista choro e ranger de dentes? (risos, brinks, tadam) Não, é óbvio que não! Se a função de um psicanalista for levar às pessoas ao choro, então, deveríamos mudar a profissão de nome para: “Choronalista”, me disse o paciente em uma das sessões.
Alguns pontos sobre os chistes na psicanálise são:
Os chistes são pistas valiosas para o trabalho terapêutico.
No processo de contar um chiste, deve haver um "desconcerto", ou seja, a quebra de uma expectativa inicial em que “algo” está escondido por meio das palavras.
O chiste pode funcionar como uma espécie de tropeço incerto em que o analista entende algo do paciente, revelando aquilo que o inconsciente deseja mascarar.
Ele não havia constituído família fora a do circo. Nunca havia levado um “relacionamento a sério”, como ele mesmo disse. E acima de tudo: a velhice o incomodava. O uso da roupa e de todos os aparatos de se vestir como um palhaço para trabalhar, era um artifício que escondia um medo muito profundo: o de morrer. Toda vez que eu abordava o assunto, ele fazia um a piada. Certa vez a fugir do assunto morte, ele ficou desconcertado.
—Essa danada que nos ronda como um gironda.
—Que danada?
—Ora, doutor da causa, aquela que nos faz bater as botas: a mã.. (ele troca a palavra, comete um ato falho e ri).. a morte.
— Você ia falar outra palavra MÃE. E não morte.
— Não ia (o riso desaparece).
— E sua mãe? Você nunca falou dela.
— Ela… morreu no meu parto… quando nasci (as lágrimas descem em cachoeira)
Continua…
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