Estava sozinho na sala. Havia tão somente uma cadeira que se apoderava de mim, das minhas causas — por mim. Havia tão somente a prisão esfacelada, a trinca da tranca, a anta, a puta. Estava nu, porém não conseguia enxergar minhas partes. Elas eram abstratas, náuseas, figuras que refletiam no ápice do cérebro, roubavam os pregos dos meus tímpanos e espalhava força e urina. Sentei na cadeira lentamente, sentindo o ar passar calmo, escalafobético, trincando manchetes da manhã, eclodindo o ar seco, o ar de morte. O passeio da minha bunda até a parte plana da cadeira durou 12 horas. Doze horas pelo movimento mais leve e calmo possível, devagar, vagando, sentindo os insetos-necrófilos atravessando meus canhões. Sentei e senti leve o agitar do meu sangue borbulhando, se esquecendo, se comprometendo e ficando ausente. Passei a mão nas minhas coxas — sentei neutro, sem expressão. Senti uma pontada dentro do meu estômago, como se algo tivesse, do nada, aparecido, existido por dentro. A sala branca me encarava, mas não estava fora — era por dentro. Ela por si só, na matéria, em frente ao meu olho, não me intimidava tanto do que a que se projetava por dentro — no meu fígado, nos meus ossos, na minha arcada dentária, no meu cu, no meu pinto, no meu suor — e criava uma atmosfera, aos poucos, terrível, densa, catatônica. As pontadas vinham cada vez mais intensas em meu estômago. Sorri lentamente enquanto uma gota de suor deslizava e dançava no meu rosto — sentia por dentro. O silêncio não me atordoava, pois conseguia ouvir claramente meus órgãos agitados, limpando e sujando a cada corte, a cada veia — fio massageador — e a cada respiração. Meus olhos viraram, como em êxtase, estavam brancos, cobertos de leite. Minha mão chegou na boca e abriu-o-a com força, enfiando meus dedos grossos, lentamente, goela-a-baixo. Meu braço já estava dentro, meus pés estavam por fora — mas não me diziam muita coisa — e meus olhos já haviam se transformados em dois sóis no teto da sala, como fantasmas, forças poderosas, de linhas, de sombras — mas não havia. Minha mão, por dentro, chegou no meu coração, aperto-o com força e o fez explodir. O sangue caindo por fora me fez mulher: uma embriagada, puta, forçada, poça de vômito. Meus seios poderiam acalentar milhões, além dos insetos que poderiam ceder junto ao meu corpo. Insetos que sentiam o cheiro da merda, da perda das funções básicas — assim como eu. E eu, aquele, estava por fora, totalmente externo, observando — como a sala por dentro. Agora eu sou as paredes brancas, os sóis no teto, os insetos resmungando no chão. Meu corpo é a sala em queda, em delírio maravilhoso, em orgasmo cósmico, sensação sem limites. Estava voando como num cubo em um abismo considerável, de formigas, de espécies, sem o tumulto regional e os passeios de conversações. De tanto ser mulher, já era deus. De tanta demora para a cadeira me perceber, eu já era pássaro — daqueles que voam por aí sem nenhum remédio, sem nenhum azeite. A mosca pousou na tela, causou interferência, abriu o pâncreas exausto, mexeu o jardim para dentro, colheu algodões nos poros-nervos da epiderme. O frio se dilacerou; agora é quente, inferno, graças aos sóis-voadores. Meu pulmão estava amarrado em correntes enquanto eu rezava as mil preces e cozinhava um grande frango-fresco. A sala havia trocado de compartimento: estava oval. Oval como meu ouvido-raro. Era mulher, coitada — complexo de náuseas e outras salas quadradas. O cabelo enrugado mexia o macarrão com os dedos — não mais meus, seus, nosso, de ninguém, por efeito. O modernismo atravessou a porta como quem paga um motel. Serão quantos? 100? 540? 760? 10654? [726] ou quase, menos. Quase nada. Voltei ao jardim, ao sol, ao céu, ao passeio. E passeio sendo feito.
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