A Mais Delicada Flor De Sua Unha Suja
Quando a senti me apertando, lendo todos os meus ossos, seu ofegante círculo magnético fazendo luz contra minhas pálpebras, me deslizei ao fundo e obscuro obstáculo incalculável de maior insignificância e me joguei naquela parte mais trincada de seu corpo: a unha do dedão da mão direita. Tive uma agitação de cavalgar estradas e descer neblinas sórdidas de acasos lastimáveis, em transe. Jamais imaginei em toda minha vida observar a loucura certeira que falava com meus poros e vísceras por uma unha suja, tenebrosa que, num passo, me levou ao choque que é a vida.
Onde ela passou esta mesma unha antes da minha viagem animal? Numa boceta, umbigo sujo, merda do vaso entupido…? Não, realmente não me importou. Eu era a unha que passara por tudo isso. A unha cortada, raspada, esmalte cor-de-rosa, vexame aos puros, podridão absoluta, micose. Unha povoada por catástrofes universais. Vi a guerra do Vietnã, Golfo, a chegada do homem à lua, injeção de heroína, fábrica nuclear, diabo, tempo, espaço, cores, alimentos, prédios, notas musicais, plim-plins…
Estávamos nus sobre a cama. Meu braço a entornava pelo pescoço, sua mão no meu peito, apertando. Tudo havia se transformado numa mão apenas de unhas. Meus dentes, por exemplo, eram unham que abalavam a órbita da terra com gosto de café aguado. A micose que eu me tornara, havia realmente me despertado a maior atenção. O monstro drogado poderia então entorpecer seus germes vaginais, como brincando em uma gangorra de gangrena e vermes dentuços balbuciando cento e uma palavras em português, espanhol, inglês, africano, emirados, chinês…
Rebeldes se instalavam na parte oeste da magoada unha de boceta. Ah, vagina-pauzuda! Era o sótão magnético da loucura elétrica rodeado por herpes. Eu acabara de varrer a arquitetura do homem inútil — e a bondade de sua negligente imaginação. Estava no córrego da insensibilidade pagã, com a lama vazando e escorrendo bueiro a baixo. A lama jorrava rumo à mais alta árvore da mais afastada cidade-alta — que antes foi considerada perigosa demais para viver, já que as portas feitas de pele estavam escorrendo-verde rumo à porta da boca humana (ao céu infernal). É a unha-mãe!
Abrace-me mais forte, querido — ela disse enquanto lutava para se manter acordada. Meu pau contraiu. Ah, não! Eu estava já em meu corpo…
Sim, eu sei, o mundo, o universo todo, é pequeno demais para a sua unha, querida.



