Poucas coisas superam o calor marginal urbano dessa cidade litorânea. A minha estadia neste lugar nunca fora planejada, só aconteceu e já acontecido cá estou diante a miríada das boas paisagens, morando em um sobrado na transversal entre as avenidas Areia Branca e Brejo Limpo.
Hoje, a região é movimentado principalmente pelo comércio local, tornando a vizinhança caótica e acelerada, é costumeiro descer as escadas direto em mar de gente que te leva para todo lugar menos para onde se quer chegar. A casa de penhores só abre em dias ímpares, nunca entendi o motivo e quando pergunto ao Seu Lino, ele diz o seguinte: Amanhã eu lhe conto viu!, Passe de novo mais tarde que eu digo! e outras derivações dessa resposta. Logo ao lado tem a Ótica Olhonu, não gosto de passar pela frente da fachada e evito entrar se não for certeza de que estou precisando de óculos novos, lá quando te oferecerem água para você, não aceite! Fui lá uma vez e voltei para casa com dois óculos de sol além do meu de grau.
É um lugar imenso reduzido ao seu espaço no coração de concreto chamado cidade, fazedor de trabalhador e biqueiro, grande moedor de carne e sonhos, esperança em crisálida após um atropelamento. O corpo jaz caído, as pessoas continuam andando. O impossível aqui vira inevitável.
Escrevo a maior parte desses relatos como um registro memorial de um século, lembrança para que não possa esquecer de onde venho, pois tenho medo do calor também derreter minha noção de existir.
Tento olhar para o lado bom fora das pinturas mais comuns dessa região, pé na areia, caipirinha, água de coco e um fervo louco de verão. A vista do mangue resiste. A fachada histórica manchada, é irônico como a própria fábula contada de uma invasão santificada. Se algum dia pensar em nos visitar, saiba que apesar de convidativo é preciso também sentir ódio para viver aqui.
Eu fui forjado no ódio e no amor de um povo que não teve o direito de usufruir da terra que lhe fora abençoada, mesmo assim é a mais bela paisagem nesse cartão-postal.
Poesilhas
acessórios e devaneios escritos esquecidos no bolso da calça.
Pintura da abóboda central Deserto bárbaro oblíquo feito marés Balcãs, maçãs rosto sob a neve é breve a vida diz a abelha à flor Anis é o sul oculto na manhã inverno inteiro querendo chuva anzol matinal vai? vou! é bela a vida responde a flor e o toldo escorre tenras memórias infantis esconde-esconde pique-pega mitológico Deus amor & catástrofe cateter & sangue
gôndola
I.
navegante perfurando rio
sozinho, naufrágio
e o azar lhe sorriu
seu pior adágio
II.
temia tanto o esquecer quanto o lembrar
que de si a lâmina nunca saiu
nele aflige olhos âmbar
saltando para lá, para cá
como vistoso mar
sombra profunda invade o breu
belo roubado aquilo que nunca foi seu
insiste então em navegar
em direção ao Estige
quer se salvar ou ser salvo
ao inferno lançou temeroso olhar
III.
distinto amante já esquecido
oferece passagem ao desconhecido
limbo do silêncio proibido
promete o eterno sonho
selado ao beijo que lhe concedeu
angustiado sucede o breve adeus
sendo ele apenas um sussurro de Deus
toma posse de corpo e alma
cada grão que não cabe em palma
Alternativamente
Gostaria de indicar algumas músicas, artes, textos e coisas que foram se acumulando nos meus bolsos, e odeio acumular pois faço isso com frequência.
Passatempo é um álbum que me deixou nostálgico, lembrou bastante uma parte boa da minha adolescência. Por ser uma banda da minha cidade fico mais feliz de recomendar por já ter ido no show deles e saber que a sensação é genuína.
Caraval tem sido a minha leitura mais recente, tenho caído cada vez mais na espiral das histórias fantásticas e dessa vez misturado com romance. Queria só dizer que fui surpreendido positivamente com a escrita da autora, Stephanie Garber sabe como trazer cor para o cenário, é quase como ler pinturas, e a história está me deixando intrigado apesar da temática juvenil e o fato de eu não gostar da Scarlett, personagem que acompanhamos na trama.
Horizonte de eventos
O ano começou como um salto no tempo-espaço. Vi uma estrela ser engolida por um buraco negro da minha janela, cogitei ligar para o serviço de luz para ver se estava tudo certo com o céu, mas não precisou. Tudo ainda funcionava perfeitamente, mesmo com uma estrela a menos.
Convenci a mim mesmo nesse tempo que precisava parar de gostar das coisas que machucam tanto, pois então talvez fique apaixonado pelo que ama de volta. Eu não sei ao certo quanto tempo se passou nessa cidade, mas sinto que nada do que conheço continua no lugar.
Evidentemente a única máxima continua sendo a escrita, ela nunca vai embora. Uma paixão recíproca de mesma intensidade, difícil competir com essas palavras. Só lembra que sou um péssimo mentiroso e isso ainda é uma edição semanal de Ninho de Cobras.
Espero você na próxima edição, abraços.
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