Belo, Fatal
Estática na calçada, esperando o tempo passar. Passo por perto. Aprecio. Linda, esférica — feito degolada. Roupa riquíssima, charme de chamar atenção. Daqueles poucos segundos de duração, imagino infinitas coisas. Primeiro a imagino na merda. Ela, que tão segura mostrava sua aparente beleza, agora, no meu imaginário, estava coberta de fezes, excremento, charco. Continua bela ainda no ‘‘horror’’. Quero a desfigurar —pensei. Dalí criei outros vários exercícios eróticos. Por segundo a imaginei numa orgia de anões, causas diversas. Os anões penetravam em sua vagina, longos troncos de árvores pontudos. O sangue jorrava por todo o lençol.
Enquanto imaginava tais cenas, meu corpo andava por aquele centro urbano de forma desvairada e automática, dizendo com os dedos o frenesi que eu me mergulhara.
A imaginei sem roupa, pendurada num varal de arame farpado, sendo chicoteada por analfabetos. Seu rosto, ainda no pensamento, estava igual o da realidade: sóbrio, não demonstrando fragilidade. Era força, era querer.
Me vem causa, a cede. Paro num quiosque e pego uma água cara. Gole a gole a força se afasta e crio um novo cenário:
Seu corpo fatiado, porém, vivo, se mexendo, se contorcendo de tesão enquanto seus olhos vidram em um quadro do Picasso. Cena linda! Não entro na equação. Sou um mero imaginador. Sou aquele criador, aquele Deus, aquela criatura que ninguém viu, ninguém sabe, ninguém conhece. Sou aquele dilema vulto de religião. Por falar nisso:
Agora ela está pregada na cruz cantando Frank Sinatra à capela. Esférica.
Esférica. Férica. Érica. Rica.
Paro. Dou conta que, por mais cenas tão absurdas que possam chegar, o verdadeiro horror, o verdadeiro ato transgressor, a verdadeira podridão está, na verdade, naquela beleza quase suicida que ela carrega. Não posso transformar o que é belo no horrendo. O belo já contém o que há de mais horrível na história humana.