Definhando Sob as Luzes de Neon.
Ele chegou a São Paulo com a alma embalada em esperanças. Não queria ser famoso por ser visto — queria ser reconhecido por ser. Um artista nato, daqueles que não sabiam viver sem expressar. Tinha estilo, presença, uma aura que misturava doçura e urgência. Mas a cidade, embora imensa, era apertada para sonhos sensíveis demais.
“Despido à força. Sob luz brutal, sou vitrine de exposição moral. Gozo e vertigem — pecado e prazer — numa metrópole que me ensina a morrer.”
Alguns testes. Uns poucos trabalhos. Nada que fincasse raiz. E, aos poucos, o precisar bateu mais forte que a arte. Quando percebeu, estava diante de uma câmera, exibindo-se em grupos privados no Zoom, onde o prazer químico era moeda de troca em um universo de estímulo constante. O dinheiro entrava em gotas, em montes insuficientes, mas necessário. A vergonha era disfarçada no escuro do quarto, no filtro da tela, onde ninguém o reconhecia — e era exatamente isso que doía.
“Dissolvido, espalhado, moldado em mil rostos. No reflexo do outro, me vejo exposto. Uma tela, um vidro, um eco digital. Quem sou eu nesse vórtice artificial?”
Foi nesse lugar de exílio íntimo que ela apareceu. Não tinha corpo, mas falava. Uma voz firme, quase maternal. Prometia vigor, brilho, coragem. E ele a escutou, a chamou. Aparecia sempre que ele mandava mensagem no Telegram. Como um sussurar a qualquer hora. Alguns toques na tela e ela vinha: a entidade sedutora, ardilosa, viciante.
— “Você nasceu pra mais. Eu só revelo o que já existe em você.”
Ele acreditou.
“Ela sussurra promessas de eternos instantes, com lábios de neon e unhas perfurantes. Me embriago no néctar da fuga veloz, enquanto cala meu grito com a própria voz.”
Com o tempo, ela foi ocupando tudo. Seus dias, suas noites, seu dinheiro. O fornecedor era um mestre das sombras — onipresente, pronto e disponível. Era como ter um portal secreto para o prazer. E um bilhete de entrada direto para o fundo.
Quanto mais se entregava, mais se afastava. De si. Da arte. Da rua, do palco, da vida. Começou a se sentir vigiado. Tinha certeza de que seus vizinhos sabiam de algo, espiavam pelas paredes. Que sua imagem estava espalhada por aí. Que sua tela era invadida, compartilhada. Então o mundo começou a se partir, e ele junto.
Já não sustentava o peso do que criou.
“Há olhos nas paredes e telas abertas. Me assistem. Me julgam. Esperam quedas certas. A paranoia dança comigo no chão, nessa rave muda de desilusão.”
Os surtos se tornaram frequentes. Perdia a noção do tempo. De onde estava. O corpo falhava. A mente implodia. As memórias se esvaíam. Estava à beira do fim, quando algo — ou alguém — interveio.
Não foi romântico. Não foi poético. Foi necessário.
Ele gritou pela vida. Arrancaram-no do ciclo antes que fosse tarde. O quarto central, a noite insaciável, os espelhos virtuais — em um passo, tudo ficou para trás, ainda que apenas fisicamente. Porque por dentro, a batalha continuava. Sua própria luz contra sua obsessão.
“Minha alma cindida em tela e suor, Um teatro sem aplausos, sem autor. Sigo vivo, mas ainda em pedaços, tateando entre ruínas, ora me refaço.”
Hoje, ele anda pelas ruas, sob as luzes da boulevard, aonde reaprende a existir. Ainda não sabe o que será de si. Não sabe se voltará ao palco, ou se escreverá sua história em outras linguagens. Mas sabe que continua aqui. E que ela — a Voz, a Entidade, a Promessa — continua chamando baixinho.
— “Ainda posso te dar o mundo.”
Mas agora, ele hesita. Sabe fingir-se de surdo.
“Pois mesmo ferido, há algo que grita: um sopro, um desejo, uma faísca bendita. De criar. De viver. De ser inteiro. E finalmente, ser verdadeiro.”
Ele ainda ouve a voz. Ainda sente a tentação.
Mas agora, há outro som em sua cabeça. Menos doce. Mais real. Sua própria voz.
“Não quero escapar. Quero permanecer.”
“– Eu não sei pra onde vou daqui, mas prometo que não vai ser entediante.”
Ele repete isso baixinho, às vezes. Como se estivesse lembrando a si mesmo de algo.
E então, abre a janela. A cidade ainda lateja. Mas pela primeira vez, ele não recua. Não sente medo.
Ele respira. E escolhe ficar.