O que temos como consciência primeira — ou o primeiro interdito — é o incesto. Se inicia aí um processo de separação do animalesco, como fonte de neutralidade primeira. Podemos assumir o incesto como, também, o desejo primário. A primeira necessidade humana. O interdito se coloca e nele permanecemos, pondo a ponto o ato de fechamento à transgressão. Bataille firma isso crucialmente, colocando o ato de desejar o parentesco, como contrapartida ao que seria necessário cumpri-lo: o sacrifício, a não-utilidade necessária, o desperdício único, a morte.
O ATO NÃO REALIZADO
Os dois filhos matam o pai, o colocam em cima da mesa e se instaura o ato canibalista — este acontecimento é o ponto, como dito, do sacrifício dado como resposta ao interdito que deságua na transgressão, pondo fim à utilidade (retomando a continuidade) [EXEMPLO].
A separação dos corpos-primeiros realiza a sensibilidade consensual — o trajeto do inesperado, a vertigem. O ato só pode ser consumado após a causa da imanência [para Bataille: fusão] — continuação. Este gasto sem medida circula entre o bem e o mal, operando em conjunto, dando o desejo aos corpos. Nos personagens de Bataille, há a manifestação de não-realização do desejo como tal, como ato — no caso do incesto, por exemplo. No livro Minha Mãe, lançado postumamente, os personagens (mãe e filho) não realizam, de fato, o sexo corporal. Estão conectados através do compartilhamento de outros corpos — como no caso da orgia última. Não há a penetração entre ambos, pois, se assim fizerem, deixaram a pureza do ato do desejo, entregando-se ao noturno ópio. Se inicia aí a acumulação do desejo: o orgasmo que nunca é atingido pela penetração do filho na mãe — há o adiamento, a espera, a entrega ao divino (m). E aí rondam o bem e o mal, em versão ao ato de transgressão, do sacrifício, da fantasia. Se a última é a morte, todos os limites suprimidos assim também levarão ao fim dos corpos — e nunca da individualidade, pois há, entre estes corpos de Bataille, como assim na sua pesquisa, o desejo de fusão, de entrega total ao outro a ponto de deixar de ser, se tornar dois, num complexo de perda. A morte ronda estes desejos, como ponto a ser alcançado, ultrapassado — realizando assim, a destruição do estado das coisas.
O CÉU LIMPO
Há o caso de Marcela (História Do Olho) que se suicida após os vários atos transgressores de Simone com o narrador. É um contágio, como o riso. Está no olho, na visão desperdiçada — atribuída ao excesso — a realização da morte mesmo em distância, pela loucura. Este céu limpo é sobre todos, impossível a não contaminação pela loucura, pelos limites, pelo abismo. Ainda em HdO, há a morte do padre, o estrangulamento na igreja, como um ato de sacrifício, uma missa de morte, a crucificação de Jesus Cristo pela segunda vez — sob urina.
Não está agora, como dito, no ato, mas sim nos olhos. Os olhos sem fundo, sem medida, loucos, inóspitos — como no céu. O céu limpo, azul, sem limites, instaura aos personagens, a certa luz e consciência divina, o preenchimento necessário, o ponto máximo d’onde se quer chegar. O céu seria deus, agora não mais o cristão, e sim o deus dos limites. Quando os outros concluem estes limites, se chamam como deus — como é o caso, por exemplo, de Madame Edwarda. Os raios solares habitam aí — sendo o céu o órgão sem limites, o azul intransferível, a carga de energia ao desejo transgressor é dado pelos raios solares, que entram pelos olhos negros, submersos, mortos, esperando a perda de si, no outro.
Ainda sobre o incesto, é necessário falar, tendo como base o livro já citado, Minha Mãe. O pai do menino, sendo violento com a mãe, é dado como o provocado. Há a atitude voyeur nos olhos da criança ao ver o pai batendo na mãe.
Essa demarcação deságua no desejo do filho de ser dominado — seja pela senhora que a mãe alugou a ele, ou pela própria. Deixaria ser escravizado pela senhora, batido, amarrado, cuspido, violado — e ainda assim, gozaria.
Bataille, circulando entre este mal primeiro e a fusão, desaguará sempre na morte. A negatividade presente em Hegel. O círculo dos polos, o sangue que escorre entre as escadas — os olhos.