Numa dessas caminhadas de fluxus-anoréxica, carregava comigo um livro do Sade — Filosofia Na Alcova —, como de costume, na mochila. Era um espectro relativo como daquele outro dia, mas semelhante no que se referia ao desejo de entrega — como um toque bordado. Apressei-me e corri para um local vazio na tentativa, justa, de entrega. Me sentei na cadeira bruta, distorcida, com os ferros à mostra. Peguei o livro e comecei a folear, sem a intenção, propriamente, de o ler. Abandonei em seguida — havia uma ideia muito forte, fervente, subindo. A noite se debruçava em meu sonho imoral, causando quase um ataque cardíaco, acariciando meus desejos de devassidão. Neste debruce árduo, minhas pernas começaram, aos poucos, um movimento ansioso, de agitação que só poderia ser finalizado com um ataque de nervos. Dentro do encontro com o imoral, observei a parede à distância, como se fosse uma grande perna refletida, peluda e ácida. Olhei fixamente para o delírio na parede; parecia uma projeção de morte, da solidão que outrora me tomara o subtendido. As pernas se abrem e é me mostrado o pau mole, forte, rigoroso. Num lapso, olhei rapidamente para os lados, verificando se estava sozinho mesmo ou não — e estava. Foquei no pau que, aos poucos, foi se erguendo — tanto na parede, quanto em mim. Lembro de ter começado a suar, quase entrando em crise. Balancei a cabeça e me dei um tapa, pra acordar totalmente do transe. Acordei, e pelo contrário, meu pau não dormiu; continuou aceso. Precisava da agitação noturna, era fato. Não me via mais na perícia de aliviar Deus. Me levantei, catei a mochila com o livro e fui descendo aquelas escadas estáticas. Saí do lugar vazio — a cidade estava ainda mais. Corri para a praça — subi outro lance de escadas. Logo na entrada, um casal ria e se acariciava aos montes, mas algo chamou a atenção no rapaz, que me olhou como quem quer morrer aos colos de outro homem. Sorri de canto, sabia que seria a oportunidade para a minha servidão e para o meu alinhamento com a cidade vazia. Passei reto pelo casal que me deixara com ainda mais tesão. Quem dera eu fosse aquela mulher, entregue aos braços noturnos, sem medo do acaso irreverente.
Na saída da praça, um vulto tomba na minha presença. Caiu de quatro, fixo. Por se tratar de um vulto, fruto do delírio imaginativo, não tinha aparência nem de homem, nem de mulher — era uma simulação, um virtual. Me privei. Sabia que aquele objeto não me era de alcance. Estava perdido. Virei minha cabeça e olhei para o casal, de longe. O transe de êxtase se transformou em risos, gargalhadas. Veio como um vômito, de dentro pra fora. Ri alto, ri e ri e ri! ESTOU RINDO, pois! Me apoiei num poste, o ar me escapou. O som do riso congestivo se espalhou pela praça, ecoou por toda. A cidade silenciosa se tornou somente meu gesto incestuoso. Não havia lógica, era impreciso. As árvores se tornaram às avessas, os bancos congelaram, o casal sumiu. Dentre o riso descontrolado, me mijei por inteiro. E, numa força que eu nunca tive, com o punho fechado, dei um soco em cheio no meu estômago. Chorava de rir. Da minha boca-aberta-gargalha saía sangue, como um jato-gota-a-gota. Era incompreensível.
O casal devia, naquela hora, estar na cama, transando. Ele, com uma das mãos, a dedando e, com a outra, escondida, se dedando, pensando na morte que deveria ter tido junto ao meu riso.