Rua 45 na esquina com a 23. A caminhada no início. 13h. Entro num prédio, sorrando como uma loja. O que é? Subo as escadas espiralentas — todas as portas fechadas. Algum idiota sabe o que é aqui? — pensei — quem mora, provavelmente. Se ninguém morar, será outra coisa. Nada que me importasse, desci. A rua movimentada, parecendo orgia à luz do sol — sol este que exalava odor e o odor do sol exalava o odor do lixo — lixo na rua, abaixo do latão. Latão que exalava charco. Charco que atraía diabéticos. Andei um tanto sobre o chão desfigurado, em manutenção. A praça estava calma — com alguns junkys d’baixo d’árvores. Olhava calmamente a circulação dos carros — como se quisesse que um se chocasse com o outro, matando 3. De longe: me vê um cigarro!? — vinha vindo. Tirei dois e acendi um. Obrigado, parceiro. Ficado alguns minutos alí, levantei e fui nas escadas observadoras — tanto quanto eu, ou quase como tantos. Aleijados jogados no muro em concreto. Riam com as bocas sem dentes. Continuei. Doce? quer doce? — me veio o indivíduo. Qual doce? — questionei. Puxou da mala várias goma-de-mascar. Sem grana agora — disse eu com somente dois reais no bolso. Faço um por um — retrucou com a oferta. Recusei com perversão. 16h, já dava pra observar nos parques um movimento familiar, daquelas famílias idiotas que levam os cachorros pra comer areia e levam os filhos pra brincarem minutos nas balanças lamacentas enquanto os pais as apressam. Não muito centro aqui. Cidade pequena. Desci a rua na contramão. Dois ônibus esperando o sinal abrir. Da janela, um tanto de gente. Algumas com olhares frustrados, tristes, desamparados; outras vidradas no celular, com fone de ouvido. Duas ou três me observavam — eu retrucava o olhar. — O que viam? o que pensavam sobre? Eu poderia estar aparentando um vagante, não trabalho. Me olhavam como se quisessem saltar do ônibus, pedindo por ajuda. Penso: todos desse centro já me devem achar maluco. Ando a tarde toda nessas 4 mesmas ruas, não fazendo nada. Olhando em volta como um estranho, ou como se estivesse fugindo de alguém — olhar paraplégico.
Os ônibus passam, sinal verde. Atravesso a rua. Poças d’água ainda de ontem no chão. Há sempre música no ar — carros, lojas, alguém cantando; não importa, sempre há. Passo um tanto pra frente. Um homem me entrega um jornal: JESUS CRISTO É O SENHOR. Porcaria. Por que nunca vi esse tal de Jesus andar pela cidade? Seria um daqueles obesos que nem se viram na cama? — posso pegar esse jornal para recortar alguma merda e fazer alguma arte. guardo no bolso amassado. Cigarro. Sento no terminal. As idosas caminham 1 centímetro por minuto. Pr’onde vão? Banco, provavelmente. Estão em custódia. Liberdade porque a filha deixou a velha sair por ai procurando um macho. Meteção de vagina — penso. Tive uma ideia! — anoto pr’a não esquecer. Levanto. Já vi idosas demais. 17h. Entro numa loja tem-de-tudo. A atendente chega. quer algo? Sim, um manequim — respondo. Sabendo que não teria. Não temos — poxa. Nem boneca inflável — pergunto. Ela me olha segurando o riso — o que é? não, moço, também não. Saio. Entro noutra tem-de-tudo. Ninguém chega em mim, então vou de corredor em corredor — será que pensam que vou roubar algo? Nada. Só porcaria. Pego o jornal do bolso e boto numa das prateleiras. Saio. Não roubei. Deixei algo. Provavelmente vão colocar um preço absurdo naquele jornal — penso. ‘’Acabou o estoque. Só temos esse’’ — e a velha compra. Que idiotice. Paro num café. Me vê um preto. 6. — só tenho 2. Dois dá quanto? — pergunto. Dá nada — caralho! Deixe. Me vê dois cigarros soltos — lá vai! Pronto. Mas sem café. Acendo um. Energia que não se esgota. Volto à praça. Sento. — quer ver alguém pedir cigarro e eu dar? Faz um vento frio, chamando o delírio da noite. Não quero sair daqui. Por mim ficaria nessas ruas vagando sem motivo algum. Meus dedos do pé doem. Precisam ser dopados. Buzinaço, horário de pico. Levanto e vou observar os idiotas de carro. Um, dois, oito, dez, vinte… uma fila. BIII BIII… continuam. ‘’Meu filho vai ficar me esperando demais’’ — vá à merda! Não tem uma cabine pornográfica nessa merda de cidade. Mas não me falta, posso fazer em casa. Alunos saem das tocas. Em grupo dão risadas. Passo por um monte — e dão risada: será de mim? Alguma coisa alucina aquelas ruas. Drogaria, antropofagia, volúpia, ópio, corpo encarcerado, sirene, avanço, assassinato, Jesus Cristo É O Senhor, vinte pila, um conto, três paus, mãos dadas, beijo no colo: o pau roça a buceta entre as calças. Casal em fogo. Vão fuder depois? Por que não fodem agora, ali naquele banco? Vou passando. Passar por desconhecidos me entorpece — no bom sentido. Uns me olham fixos — gostou ou não? De qualquer forma, estão morrendo de tesão por alguma coisa. 18h. Sino da catedral balança. Sebo quase fechando. Passo lá pra incomodar. Entro como se fosse um fantasma. Moço, sabe me dizer se tem Dois Corações Apaixonados? — ouço a moça-leitora-árdua perguntar. Vá à merda! Kafka, senhor, Kafka — o outro manda. Ouço à distância, procurando nada. Gosto de sentir o cheiro daqueles livros: me reduzem a viciado em cocaína. Saio do sebo e acendo um cigarro. Perdi as contas. A carteira no fim. Passo no shopping pra urinar. Vazio, mas, como sempre há música no ar, um RnB tocando. Entro no banheiro: aparenta limpo. Na cabine? Um cocô flutuador. Dou um sorriso enquanto olho aquela merda despedaçada. Mijar no chão. Saio de lá porque, pela primeira vez, vi Jesus no vaso. Reconheci o sujeito! 18h30m. Vento frio, bem frio. O sol está ficando lento, já já ele vira noite. Até na noite há sol. Posso passar num bar, beber uma. Assim faço. Uma Bãdy — peço. 12 pau. — lembrei que não tenho. Falo: peraí. Saco meu precioso dinheiro que ganhei não lembro como — guardava pr’um livro. Tó. Valeu. Pego o litrão e sento numa mesa. Tudo vazio — ainda é cedo / e é quarta. Acendo um cigarro. Bebo revirando os olhos. Entram dois. Balanço a cabeça no sinal de BÃO — olham com olhares-projetistas. Não penso em nada — não precisa. E os ônibus passam. O sol se questiona. Pedestres passam rindo, chorando, que seja. Amanhã tem mais.
Como sempre: intenso!!!!!!!!!