Pipoca🍿na manteiga😋 #3
A linguagem que nomeia quem somos pode ser entendida como travessia e não como prisão? E como isso se relaciona com autobiografia, autoficção e política no que você escreve?
O corpo que você habita já teve que inventar um nome pra existir? Autobiografia e autoficção, nesse sentido, não são apenas gêneros literários: são modos de inscrever o corpo no mundo.
Tem gente que nasce nomeada: encaixada em categorias que garantem pertencimento. Mas há corpos que, pra simplesmente ser, precisam rasgar o dicionário. Precisam se escrever. O corpo queer, aquele que faz parte da população LGBTI+ (“ah, mas a sigla é longa”; “se toca, pesquisa, pare de reclamar e se acostume”, ela significa: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Intersexuais e o “+” é toda a identidade de gênero que não está na regra da heteronormatividade), não é só identidade: é texto em versão rascunho, constantemente corrigido por dentro, rechaçado por fora. Queer é uma palavra em inglês que significa “estranho”. O termo é usado para representar as pessoas que não se identificam com padrões de identidade de gênero impostos pela sociedade.
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Quando a linguagem da norma não dá conta do que se sente, do que se deseja ou do que se habita, inventar um nome vira um modo de não desaparecer. É sobrevivência, mas também invenção. E talvez seja justamente por isso que o queer não é o contrário do normal: é o que escapa de qualquer lado fixo. É atravessamento, falha fértil, fissura criativa.
A linguagem tem dupla face: pode ser prisão ou pode ser passagem. Pode reduzir um sujeito ao rótulo de sempre: gênero, origem, diagnóstico; mas também pode ser o que o arranca da mudez. Tem algo de trágico e ao mesmo tempo belo no ato de nomear-se: a palavra não dá conta de tudo, mas é por ela que a travessia começa. Quem escreve sobre si não está preso no espelho do "eu": está cavando por dentro dele. Quando penso na relação entre linguagem e identidade, especialmente em corpos desviantes da norma, não vejo um confinamento, mas uma criação constante. Nomear-se, às vezes, é uma forma de abrir espaço: para si e para outros. Uma escrita que é performativa, sim, mas porque performar, nesse caso, é existir em voz alta.
Autobiografia e autoficção, nesse sentido, não são apenas gêneros literários — são modos de inscrever o corpo no mundo, de tomar o que era silêncio e fazer dele matéria. É por isso que o autor Édouard Louis incomoda: porque sua escrita mostra que falar de si é, inevitavelmente, falar das estruturas que nos moldam. Não é só sobre contar uma história pessoal, mas sobre expor a gramática invisível do poder. A linguagem, nesse caso, não é muralha: é trilha, é corte, é invenção. E ao escrever-se, o autor também denuncia: o corpo é político, e sua existência não cabe no neutro. O que me interessa aqui, como psicanalista e leitor, é esse ponto de falha: onde a palavra falha em nomear completamente, mas ainda assim sustenta. A linguagem como fenda, mas também como fio.
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