Esta é a Carta 11 de uma série de correspondências entre escritores que chamamos carinhosamente de Trocando Farpas. A Impérios Sagrados escreveu a Carta 1 e Carta 7. Fabio Pires escreveu a carta 2 e a 8. O Inominável Ser escreveu a carta 3 e a 9. Samir Cooper escreveu a carta 4 e a 10. Eu, Ruan Giollo Brugnerotto escrevi a carta 5 e escrevo a 11. Leonardo E Dutra escreveu a carta 6 e também escreverá a 12.
Qual a periodicidade dos posts das cartas? A cada 4 dias!
A pergunta que não quer calar é: Pode a literatura falar de política sem se sujar?
Os links serão adicionados à medida que as cartas forem publicadas:
Em minha Carta anterior tive a iniciativa de buscar respostas na etimologia da palavra política, a fim de entender como a Literatura convive dentro dessa realidade. Nesta, sigo indagando…
Peço licença aos leitores para escrever essa carta num teor diferente. Afinal, se falamos de literatura, nada melhor que se expressar sem fugir à essência. Para tanto, guardo a esperança de que a reflexão valerá a pena.
Venha, vamos fazer um pacto um com o outro, sem que valha algo mais que nossa alma. No meu livro você bebe da fonte, eu, de meu lado, entorpeço-me em seu discurso. Que tal?
Mas não… Na vez de abrir as páginas, você nunca me encontra nas entrelinhas; na hora de ouvir atento, escuto uma voz longínqua, porém sem saber ou me importar que era sua. De quando em quando, ambos até conseguimos dar as mãos, mas, corações mesmo, sempre distantes. Será assim tão difícil se comunicar neste tempo caótico?
A história se transformou num gibi de histórias em quadrinhos, fazendo rir aos homens infantis e, quando deixada de lado à mera conveniência, solta o laço invisível que serve para unir literatura e política. Ora, sem base, como se ergue uma nação (um livro, uma Constituição)? Fica mesmo dividida por uma linha imaginária que a ignorância sustenta. Muitos lançam punhos firmes para puxar o laço para si, sem se preocupar com quem ficará sem corda para escalar as montanhas da vida. Se ao menos a usassem com destreza e proficiência, por sua vez, mas parece mais fácil se enforcar com as próprias verdades, defendendo até os maiores absurdos ao invés de dar razão para que outrem também tenha vez na sociedade. Sim, montanha mesmo é aquela cheia de hipocrisias que separam os homens, embora sua criação seja mais abstrata que concreta.
Divisão: palavra chula no contexto humanitário.
Quiçá um dia aprendamos a compartilhar no lugar de dividir, visto que com o primeiro se acrescenta e com o segundo muito se perde. E o que é a política, em sua concepção, senão a busca pelo compartilhar de ideias e ideais até que se encontre um acordo razoável entre os diferentes pensares? No entanto, ambos os lados tem feito tanta força nesse cabo-de-guerra ideológico que se machucam tanto, mas tanto, que se tornaram incapazes de olhar nos olhos uns dos outros com respeito ou admiração. O outro, retentor de opinião distinta, se torna o próprio diabo encarnado tentando corromper as convicções pessoais, instigando ao mau caminho. É impossível encontrar sentido no ponto de vista diferente. Ora, mas quão estupendas besteiras passamos a acreditar enquanto sociedade, não é mesmo? Afinal, opostos deveriam servir mais para se complementar do que para lutar entre si.
Ninguém pode ser o dono absoluto das verdades dentro de uma sociedade… se assim fosse: Tirania — cuja história nos ensina os efeitos e consequências. Contudo, muitos parecem esquecer as obras literárias que dão vida ao passado tenebroso do militarismo no Brasil, ou das atrocidades cometidas nas guerras mundiais, ou até das biografias de líderes que conduziram suas nações ao declínio por se julgarem superiores ou especiais. Por que esquecem? Observando bem, nunca esqueceram, entretanto, desde que sejam eles a estar do lado do opressor: tudo vale! … E o laço que nos une se reparte em sofrimento outra vez.
Quando vamos aprender a ouvir? A ler? Será tão utópico acreditar que o homem é capaz de coexistir com o próprio homem? De imaginar um mundo em que os diferentes tem algo importante a compartilhar um com o outro?
Muitos podem dizer que sou pacífico demais ao defender que o ponto de vista alheio deve ser respeitado, mas, se na vida não existisse respeito mútuo, de que valeria viver? A própria ideia de respeito indica, contudo, que não se deve aceitar uma opinião que defenda o contrário, pregando a discórdia, a injúria e a divisão. Aliás, acredito pessoalmente que é preciso muito mais coragem para respeitar e tolerar a opinião do outro do que para lutar com unhas e dentes para destruí-la. É mais corajoso quem busca a harmonia do que quem fomenta o caos, afinal, para dar vazão a anarquia basta o néscio abrir a boca. Digo anarquia (para não me fazer confundir) no sentindo de balbúrdia, de bagunça, de transtorno, de disputas fúteis e egoístas que levam mais ao desequilíbrio e às desigualdades do que a qualquer outra coisa.
Lembro-me do primeiro livro que li e me senti impactado. Nas memórias de Machado de Assis, vi O Alienista se prender sozinho no manicômio pela própria loucura; aquele que diagnosticava os doentes se tornando um. Abro os olhos para ver o noticiário e sinto nosso país caminhar para a mesma camisa-de-força, pois todos estamos nos tornando insanos sem perceber. Insanidade é fazer algo por diversas vezes, da mesma maneira, esperando um resultado diferente. Refletir sobre isso é ver que os erros continuam se repetindo, que o Brasil e o mundo se tornam cada vez mais repartidos pela maldita ideia que um homem é superior ao outro, que um pensamento vale mais que outro, que uma verdade é mais significativa que outra. A literatura personificada nos vê de longe, nos afogando devagar no lamaçal dos próprios enganos, e escreve outro conto regional, a fim de que aquelas pessoas aprendam sobre sua própria cultura. No entanto, estuda-se Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para o vestibular, mas não se cria empatia alguma com o contexto político e social daquele povo… do nosso povo. Não é isso também desrespeito?
No entanto, a boa literatura tenta, aliada a história, abrir olhos e ouvidos, instigando corações a se unir — estimulando as pessoas a se verem como iguais, pertencentes e merecedoras das maravilhas do mundo. Digo boa literatura, pois, assim como na política existem opiniões diversas, o caso também é o mesmo nas obras literárias. Não sendo uma exclusividade da ferramenta, a distinção deve estar mesmo é no ser humano em si. Então, creio que a questão: “pode a literatura falar sobre política sem se sujar?” dependa de como enxergamos tudo que vem acontecendo com o homem como um todo e não apenas com a política ou com a literatura (meros instrumentos para um determinado fim). Pessoalmente, faço parte daqueles que se esforçam em buscar em ambos (política e literatura) ícones que exaltem a fraternidade e o bem-estar geral. Ainda que passe os olhos e os ouvidos por palavras inóspitas, não permito ceder morada a tais em meu coração e abro outra página, mudo para outro canal, escuto alguém com opinião diferente da minha respeitosamente, na esperança de que, tal qual comecei esse texto, encontre por aí um farol que me ajude a rever minha perspectiva de vida para melhor. O que quero dizer é que quem se suja ou se limpa é o homem: é quem escreve, é quem fala. Se aprendermos a sermos seres humanos melhores, voltando a essência de que todos somos iguais, talvez as ferramentas que usamos não se voltem para ferir ou desmerecer uns aos outros (não se sujem na incúria humana).
Suspeito que não viemos ao mundo todos juntos sem uma razão e, na eterna busca que nos move, seja lendo sossegados no balanço de uma rede ou ouvindo cuidadosamente as palavras de quem tem algo a nos ensinar, desejo que possamos seguir acreditando que é possível, acima de tudo, escolher. Escolher, sim, mas não entre dois lados de uma mesma moeda, mas entre qual é o ponto de vista que melhor responde às minhas atuais necessidades. Afinal, pode ser que hoje eu precise de um livro de romance ou de um galanteador para me ensinar sobre o lado bom da sociedade, mas pode ser que amanhã eu necessite de uma aventura que só uma história épica pode me dar ou que só um revolucionário poderia me mostrar. Acaso os dois não contribuem para uma vida mais interessante, mais plena? Qual verdade é a melhor ou a mais importante? Depende do tempo de cada um, penso…
Fica aqui mais tantas indagações. Até porque nunca quis ser dono das respostas, mas sou curioso demais para permanecer para sempre quieto… e quanto a vocês? Quê pensam?
Pensamos por aqui que a casa carta trocada, apreende-se mais um pouco sobre como a diversidade é importante. Que respeitar a opinião alheia é importante. E que não ceder à tirania, como você aponta no texto, é Resistência. E será que a literatura, mesmo, não é sobre isso também: resistir?
Eu escrevo este comentário aqui exatamente no mesmo momento em que muita gente está se divertindo, comemorando e aplaudindo o que houve domingo no Debate entre os Candidatos à Prefeitura de São Paulo. Nenhuma graça vejo nos memes e nas piadas; não comemoro ou aplaudo o que um Candidato fez com outro; só sinto um vazio e uma tristeza tremendos porque as pessoas não estão percebendo o que está ocorrendo. Porém, como escrevi ao final da Carta 9, cada um está onde deve estar e as coisas são, simplesmente, assim.
Penso acerca da sua Carta, Ruan, que as fagulhas do retrocesso, do caos, da barbaridade e do primitivismo mais atroz estão tomando conta da nossa sociedade. Se há uma divisão, ao mesmo tempo há uma unificação no quesito da implosão cada vez mais gradual deste país. Não sou nada otimista quanto ao Futuro se as coisas continuarem neste estado de franca descida para baixo. A Literatura não alcança as grandes massas, não nesta época, e resta a muitas poucas pessoas a tarefa de invadir terrenos que se fragmentam cada vez mais na Política. E a Sociedade Brasileira se fragmenta junto também nesse grande processo, as diferenças nem mais importam, tudo está rachado, fraturado e se incendiando, literalmente, no meio da população. É cansativo, muito cansativo, isto.
Pensamos por aqui que a casa carta trocada, apreende-se mais um pouco sobre como a diversidade é importante. Que respeitar a opinião alheia é importante. E que não ceder à tirania, como você aponta no texto, é Resistência. E será que a literatura, mesmo, não é sobre isso também: resistir?
Eu escrevo este comentário aqui exatamente no mesmo momento em que muita gente está se divertindo, comemorando e aplaudindo o que houve domingo no Debate entre os Candidatos à Prefeitura de São Paulo. Nenhuma graça vejo nos memes e nas piadas; não comemoro ou aplaudo o que um Candidato fez com outro; só sinto um vazio e uma tristeza tremendos porque as pessoas não estão percebendo o que está ocorrendo. Porém, como escrevi ao final da Carta 9, cada um está onde deve estar e as coisas são, simplesmente, assim.
Penso acerca da sua Carta, Ruan, que as fagulhas do retrocesso, do caos, da barbaridade e do primitivismo mais atroz estão tomando conta da nossa sociedade. Se há uma divisão, ao mesmo tempo há uma unificação no quesito da implosão cada vez mais gradual deste país. Não sou nada otimista quanto ao Futuro se as coisas continuarem neste estado de franca descida para baixo. A Literatura não alcança as grandes massas, não nesta época, e resta a muitas poucas pessoas a tarefa de invadir terrenos que se fragmentam cada vez mais na Política. E a Sociedade Brasileira se fragmenta junto também nesse grande processo, as diferenças nem mais importam, tudo está rachado, fraturado e se incendiando, literalmente, no meio da população. É cansativo, muito cansativo, isto.