Reilintérium
Tinha parido dois filhos. Não me lembro como se chamavam — era algo em alemão. Fato é que meus dedos deslizavam naqueles cabelos loiros — achava charme. Observava, de longe, na cadeira, o ato de brincadeira que compunha a cena de um final de tarde longo. As montanhas tenebrosas escondiam o resto, o todo — só havia o nosso lado // o lado do outro lado. Na época estava com ataque de nervos, já nos meus 40 anos. Minha esterpe-rizoma-fragmental era o que me mantinha em pé, após cuidar dos pequenos. A longa viagem ao inferno se deu cedo também, pois não havia outra hora que não aquela — tão formidável aliança reimaginada. Na cadeira, como sempre, observando de longe, lancei-me em uns devaneios estranhos enquanto empunha no braço uma xícara nazista, feita de ouro e cobre. Começou como um borrão que inclinavam as montanhas para o céu, levava o chão para as paredes do horizonte e levitavam as crianças para baixo; não me saciava com pouco nem com muito — o necessário me bastava. A alucinação seguiu ao lembrar-me o meu pai, este que morreu nos meus colos, vítima de uma gripe cruel. A cena, que me lembro, demandava cautela ao ser vista por outro — era só a gente. Seu ar faltava, meu braço tremia, seus olhos fechavam lentamente e minha perna pulsava, espasmos. A memória-nostálgica se seguiu durante um tempo, me fechara os olhos, que logo mais abri, num pulso. As crianças estavam na minha frente, estáticas — era realidade. Corri para o quarto, não queria que me vissem chorar. Abri a porta do armário e peguei, por trás das roupas, uma espingarda que outrora me fez muito bem — com o tiro na cabeça que dei em meu irmão mais velho.
Corri de volta rumo às crianças — estavam lá, paradas, erratas, indecisas. Apontei e baleei as duas, meus filhos. As montanhas derreteram e revelaram a grande cidade que outrora me pertenceu. Sorri como quem sorri de liberdade, acendendo a vida na própria vida.
— Pegue o carro! Pegue! — seguiu o contorno
— Seu ombro está cheio de sangue, fino forno sangue — seguiu o compasso
A vida que a própria vida me entregou foi morta. Restou a minha morte até chegar ao destino exato — a cidade grande.
Põe as unhas na mesa! Puxe a gaveta com cuidado — encontrará o seu próprio cadáver esquizofrênico.
A chave se deu, apareceu, ligou o carro e me levou para outro lado — do outro lado. Vagas, fragmentos e orgia: era o que havia aparecido diante dos meus olhos. Notei, por um instante, que aquilo me fazia bem — quem dera, antes de assassinar meus filhos, tivesse eu, feito uma orgia com eles e ali, no ato final, os enforcassem com minhas mãos. Gozaria nos cadáveres.
A música aparecia sempre na minha cabeça
‘’[…] Wherever you go
I go with you
dying
smiling
being
moaning and falling asleep…’’
Empunha o piano agora! Toquei Bach erroneamente. Os clientes do cabaré se revoltaram contra minha presença, começaram a jogar facas, maçãs, bolinhas de papel e guardanapo com ranho.
Saliva! Saliva! — Não sou um inseto. Sou mais! Requeixe minhas algemas, remova meus seios e instaure um novo órgão-projetor-declínio.
O céu amanheceu — embarcou um novo homem em minha vida. Jorrée. Lindo, alto, magro, ausente e provocador. Seus dedos deslizavam no meu longo cabelo loiro. Ele me observava, de longe, entre o pilar e a parede, a cozinhar o frango. As insistentes fantasias que nos cercavam tinham, por si, um tremendo ar de abandono — mútuo. A tinta corre pela parede — a casa é nova, simples e com as suásticas postas.
[diálogo]
Sou mulher, não sou de realizar orgias — disse a ele, sorrindo, envergonhada.
Puta, me come! — Exclamou Jorrée enquanto me puxava pela cintura.
Agora não! O pau, um dia, vai penetrar nossos cus, com força, até nos rasgar — terminei.
[fim do diálogo]
Eu havia feito, colocado, em mim, um desejo de comer aquela mulher — a qual não me lembrava o nome [era algo em alemão]. Porém, já havia tentado algumas vezes, ela parecia ter problemas passados com vontade de orgia com os filhos. Não aceitei nada disso! Com os filhos e não comigo?
Enquanto ela arrumava o frango à mesa, corri até o quarto, me agachei à cama e tirei, dali, uma pistola. Corri de volta até ela. POWW! Um tiro em cheio na cabeça.
Com seu corpo no chão, puxei o vestido e penetrei meu membro sujo de urina.
Então, depois do ato, um horizonte novo se abriu. As paredes foram removidas e vi, de longe, uma casa no campo.