Varalzinho de quinta #5

Cinco poemas metamorfoses

é isto uma torso? —por Malec

Somente uma pessoa extremamente forte conseguiria por em movimento um pedregulho inerte. Talvez… nem mesmo a mais forte consiga por uma pessoa inerte em movimento. O que há de misterioso na dor que pode nos fazer morrer ou viver?

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Entre ser e o sentir
por João Machado

Ser perfeito, aos meus olhos,
é alcançar o que sou por inteiro,
corpo e mente se fundem calmos,
num silêncio verdadeiro.

Sentimentos se entrelaçam,
com emoções que já entendi,
sou perfeito quando me vejo
com o olhar que parte de mim.

É quando sei quem sou,
e não nego o que rejeito,
luto por tudo o que amo,
sem fingir que não aceito.

Torno-me, sim, egoísta,
mas não por vaidade ou desdém
antes ferir do que ser ferido,
não sou meu próprio inimigo.

O Azul tempestade
por Sueli

Sou um turbilhão de coisas
Sou uma esfera negra que se move
Que muda de forma constantemente
De incompreensível para compreensível
Eternamente Girando e girando
Me transformo, me movo, me estabilizo assim
Todos fazem assim
A questão é como se movem
Se mudam de cor Se mudam de forma
Se saem rolando, se explodem
Se queimam, se tornam água
Ou se tornam maleáveis
São condicionados a isso
São expostos a um ambiente
E reagem a ele.
Apesar de tudo
Se mordem, se sopram, se misturam
Apesar de tudo
Se adaptam e se querem
E se unem
E, apesar de tudo
Desaparecem e não buscam
Mas, apesar de tudo,
Ficam Porque querem, e querem muito
E querem tanto
Que não se moldam, não se adaptam
Se mantêm Implorando para que sare, que passe, que volte e não manche
Para que aproveite e queira cada vez mais, gire cada vez mais Implorando por um pouco de mim em você Um pouco da minha cor em você
Quero traduzir meu azul turquesa siciliano acinzentado para teu azul Royal Meu rosa quartzo crepuscular perolado para teu rosa shock Me queimando em fogo e em cores frias Abraçando pedra lascada Pintando vazio e incerteza com branco e amarelo Disfarçando vermelho Mesmo que não o esconda por completo Que se torne laranja, rosa, salmão, até lilás Mas vermelho não, vermelho não

Demorou um tempo até aceitar
Demora uma tempestade para entender
Que meu eu sensível, egoísta, ansioso e inflexível não te cabe, não te pertence
Sou eu quem tento te moldar
Eu que tento te pintar, te tingir, te emoldurar
Criar em ti a cor que imaginei ser real
Eu criei o vermelho
Girei tanto, pensei tanto, mudei tanto, fiz tanto e tanto e tanto
Que criei o vermelho
Não vi que teu azul Royal é único
Teu azul Royal é valioso
Não se torne turquesa Muito menos siciliano
Não se sinta acinzentado
Não deve agir como eu
Não faça coisas que eu faria
Não siga a minha régua
Não pinte com meus pincéis
Não use minhas cores
Agora entendo
Não precisa ser tão longo, rápido, intenso, imediato, elaborado
Pode ser apenas um azul Royal
Essa é tua beleza Ser um azul Royal
Um calmo, comum, suave e flexível Azul Royal

Ilustração por Dadu Shin

Et al mort
por

Gabriel Bernardo

olhar metamorfose
em trânsito—in memoriam
pois aquilo que morre
não sofre

e somente assim tão vivo
tão cheio desse ar esquálido
é que te sinto, morte
fim da estrofe

cidade
por Augusto Flores

corda, cerol
cola ou pó
lata de alumínio na mão
entorpece em fração
um quarto da velocidade — da luz
dos carros
atravesso aos tropeços
ruas, bairros
corpos ou bocas
há tensão nas esquinas
os seres erráticos
visitando calabouços

os que sabem
quanto pagam

os que não sabem
quanto valem

não há escolha
para ambos
fugimos até amanhecer

II. parte de um poema
por Mônica Barros

parir, cuidar e ser
placebo social
recuso antes de almoçar

sobrevêm o enjoo do intragável
memórias paternas inexistentes
figuras para decorar paredes
quem vai dizer que é planejado?

inferno idílico,
plantei babosas e mulungus
em segredo;

só assim tomei coragem
para ser tudo que não pedi para ser
estrela cadente na terra, poetisa selvagem.

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