# 21💔 Amores, dores e pipocas literárias
Dívidas pagas com culpa são as mais caras: não encerram, apenas arrastam a dor. Perdoar a si, ao outro, ao tempo talvez seja seguir. Quem só vê a dor, só encontra dor. O mesmo acontece com as dívidas.
Ao desabafar com uma amiga íntima, chegamos a uma constatação inquietante: a dívida sempre nos alcança. E nos últimos dias ela tem tomado conta dos meus pensamentos. Quando penso nos últimos meses, tenho a nítida impressão de que tudo o que aconteceu, e que culminou numa bola de neve de dívidas financeiras, é justamente o enredo que eu sempre temi: depender das pessoas para poder fazer o que quisesse da minha própria vida. É uma contradição cruel querer liberdade e acabar prisioneiro de promessas, favores e silenciosas expectativas. Sinto que, a cada novo débito, estou menos dono de mim e mais refém do medo de decepcionar. Você já passou por algo assim?
“Mas quem sofre sempre tem que procurar. Pelo menos vir achar. Razão para viver. Ver na vida algum motivo pra sonhar. Ter um sonho todo azul. Azul da cor do mar”, e eu acho que é um pouco sobre isso: quem só olha para a dor, vê somente dor. E quem só se concentra nas dívidas se assusta cada vez mais com os juros, as vezes impagáveis. E possivelmente esquece de olhar para o mar, para quem está ao seu lado e traz consigo um pouco da brisa.
E, caso você que esteja lendo esteja sozinha(o), lembre-se: estar só não é o mesmo que solidão. A solidão sufoca; o estar-só pode ser um abrigo silencioso para poder pensar com clareza sobre o que fazer com tanto boleto para pagar. Há quem encontre paz justamente quando o barulho do mundo diminui um pouco. Talvez, neste momento, você esteja se sentindo partida(o) demais para tomar o poder em suas mãos e tudo bem. Só não se esqueça de que até o mar recua antes de voltar com força. Às vezes, é preciso se afastar um pouco para lembrar de quem se é.
Hoje eu mudei o tom da publicação, pois, na última, compartilhei como me sentia diante do que está acontecendo: essas dívidas financeiras que parecem não ter fim. Eu vasculhei a minha própria vida, nas raízes da minha criação, desde criança.
Sinto, às vezes, que a esperança de dias melhores acontece neste exato instante: quando o dia termina e alguma conta é paga. Por menor que seja. Mesmo quando a conta, muitas vezes, é perdoar ou ser perdoado sem que uma única palavra seja dita.
E se a pergunta “você pode pagar essas dívidas?” nunca for feita, e, um dia, você se vir diante da cobrança de um cartão de crédito, de um juiz numa audiência, ou dos olhos de alguém que magoou que, ao menos, você consiga respirar e dizer o que for possível com sinceridade (especialmente para si mesmo). Nem sempre o aperto no peito ao olhar a conta bancária ou os olhos dos credores será suficiente para algo além dos seus próprios sentimentos. Mas há uma dignidade que nasce no ato de encarar. Há um começo de paz na tentativa de não fugir. Mesmo que nada se resolva por completo, a escolha de não se esconder já é, em si, uma forma de pagamento. E, quem sabe, de alguma forma, de libertação.
Cresci em meio a silêncios, omissões e uma culpa que nunca foi minha. Meu avô me criou com firmeza e afeto, preenchendo um vazio que só mais tarde entendi de onde vinha (a dor da mãe e a ausência do pai). Foi apenas aos 30 anos que minha mãe, em silêncio, me revelou a verdade sobre meu pai biológico — um segredo guardado como quem guarda a própria dor. A ausência dele, a vergonha que minha mãe carregou, a interrupção da vida dela ainda na juventude em que, grávida, foi obrigada a transformar a sua maternidade em profissão... tudo isso me atravessou. Assim como atravessou a mãe que jamais trabalhou na área de formação. Com o tempo, percebi que essa dor antiga se transformou em uma relação difícil com o dinheiro, como se cada dívida fosse o reflexo de um preço emocional que eu tento pagar até hoje. Entre cobranças financeiras e afetivas, sigo tentando saldar o que talvez não tenha pagamento: o abandono, o silêncio dos traumas, a herança invisível da culpa e da solidão que moldaram minha história.
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