Ali, no meio do nada, um bar. Portas fechadas, parecendo uma casa, pra poeira da estrada não entrar. Sem letreiro com paredes rachadas carecia de manutenção. Lá dentro as vozes, a música, risadas a muito não escutava tanto zum zum. Abri com cuidado e mal fui notada apesar do ranger de porta velha. A boca seca, os pés doloridos, procurava descansar.
Luzes neon coloridas preenchiam o teto e os cantos, a música batida estridente, gente de todo jeito dançando, grupos de amigos sorrindo, bebuns solitários caídos. Sentei no sofá de couro, uma pele felpuda o cobria. Deixei a mochila no chão protegendo com os pés. A carga viva era preciosa. Sentou-se ao meu lado um homem alto forte, camisa xadrez, bota de couro. Ofereceu-me bebida. A cor rosa claro na taça de vidro parecia suave e refrescante. Aceitei. O sabor forte não fazia jus à aparência delicada. Os efeitos de um único gole se mostraram ainda mais indigestos.
As luzes neon embaçaram, a música ficou distorcida. Apaguei. Boa noite Cinderela? Ainda chamam assim? Ao despertar, a atmosfera se transformara. No bar, silêncio. Por todo o recinto, pessoas esparramadas como bonecos de pano. Caídas, debruçadas, num aparente sono profundo sobre as mesas, no balcão e no chão.
Levantei com cuidado, para não acordar ninguém. Pulei o povo pelo chão procurando minha mochila. Notei o fortão sem vergonha no meio dos outros. O maldito me envenenou! Minha raiva durou apenas um instante, convertendo-se em pena ao notar a mochila aberta em suas mãos. Com o pé desvirei seu corpo debruçado confirmando minha tese: Ele e todos ali estavam mortos.
Sem saber, o larápio libertou os oitenta e cinco filhotinhos de jararaca que eu levava na mochila. Miudinhos e vorazes, eles morderam fatalmente um por um dos frequentadores. Por alguma razão, fui poupada. Ia vendê-los por um bom preço na cidade, agora preferi deixá-los livres por aí.1
Outros contos de Mundo Interno
Publicada em 16/10/24 no meu antigo blog