Pipoca🍿na manteiga #16
Violência como espetáculo: da Marvel à Tarantino: e o vizinho que finge não ouvir os gritos de socorro quando vê você sendo agredido. Meu marido e eu sofremos violência física ao andar de mãos dadas.
Quando gritar “nós iremos matar vocês suas bichinhas” revela um sintoma mais grave ainda…Homofobia? Desejo incontrolável de violência?
Meu marido e eu sofremos violência física no último domingo, aqui em Curitiba. Ele saiu machucado fisicamente, eu não. Mas ambos perdemos algo no caminho: a tranquilidade de andar de mãos dadas. Escrevo para lidar com o trauma porque “toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”, como lembra Hannah Arendt citando Isak Dinesen.
E é isso que tento fazer agora: transformar o horror em narrativa, o medo em pensamento, a ferida em palavra.
Vivemos em um tempo em que o sangue se tornou entretenimento. As câmeras filmam, os vizinhos olham, e poucos se movem. Quando Tarantino transforma o massacre em coreografia e a Marvel transforma a guerra em catarse, talvez estejamos ensaiando, sem perceber, nossa própria anestesia moral. Assistimos tanto à violência que já não sabemos o que fazer quando ela acontece ao nosso lado. E foi assim, também, na noite de domingo: olhares curiosos, portas fechadas, ninguém se aproximou. A banalidade do mal, de que falava Arendt, não é mais um conceito, é um gesto cotidiano.
Este é o Pipoca🍿na manteiga, nossa coluna semanal onde 📚 literatura, 🎬cinema e 🧠 psicanálise se misturam num só ingresso: 🎭 arte e pensamento com sabor de sexta-feira (amo emojis). Senta com a gente (ou lê no busão, no parque, com café na mão): o filme da vida ainda tá passando.
HOJE É UMA EDIÇÃO ESPECIAL QUE FALA SOBRE UM CASO REAL DE VIOLÊNCIA E HOMOFOBIA.
O cinema nos acostumou à explosão, ao soco, ao corpo caído que se levanta para a próxima cena. Mas na vida real, não há corte, não há trilha sonora, não há herói que salve. O mal, quando chega, é mudo. É só o som seco de um golpe e o silêncio que o segue. E ainda assim, há algo de sedutor em olhar. Freud chamaria de pulsão escópica; Lacan, de gozo do olhar. A violência atrai porque permite tocar o interdito sem nos comprometer. O problema é que, ao não agir, também participamos da cena como cúmplices, não como espectadores.
Ser agredido por andar de mãos dadas é descobrir, de modo brutal, que ainda vivemos em uma sociedade que transforma o amor em ameaça. A homofobia não é somente um excesso de violência , é a expressão de uma ordem simbólica que não suporta o desejo do outro. Lacan dizia que o real é o que retorna sempre no mesmo lugar. E no Brasil, o real da violência retorna em cada esquina, em cada “não era bem assim”, em cada silêncio cúmplice. Quando o Estado não protege, a polícia agride e o vizinho não intervém, resta apenas a escrita, este último gesto de resistência simbólica.
Hannah Arendt via na narrativa uma forma de sobrevivência. Não para esquecer, mas para dar sentido. Contar é o que resta quando tudo parece ter se perdido. Ao escrever, não busco vingança, mas elaboração. Porque o contrário da violência não é a paz, é a palavra. É o ato de dizer o indizível, de devolver ao acontecimento sua dimensão humana. Talvez o que mais doa não sejam os golpes, mas o eco do silêncio em volta.
Desde aquele dia, há um medo que caminha ao lado. O medo de sair, de rir alto demais, de tocar o outro na rua. O gesto simples de segurar a mão do homem que amo tornou-se cálculo, risco, vigilância. Sinto que cada passo é uma negociação com a cidade: até onde posso ser quem sou sem provocar o ódio alheio? Há um luto silencioso nisso, um luto pela leveza que se perdeu. E no entanto, mesmo ferido, o desejo insiste.
Arendt falava da pluralidade como a condição da vida humana. Que o mundo só existe porque há muitos mundos em cada um de nós. E talvez seja nisso que eu ainda creia: na possibilidade de um espaço comum onde o amor não precise pedir desculpas. Escrevo movido por essa esperança e não a esperança ingênua, mas aquela que se recusa a morrer mesmo diante do horror. Que um dia possamos voltar a andar tranquilos, de mãos dadas, sem que o gesto provoque fúria. Que a pluralidade de Arendt não seja apenas um conceito, mas um chão possível, onde a diferença não desperte ódio, e sim curiosidade, respeito e encontro.
Porque amar publicamente, nesse país, é um ato político e cada toque que sobrevive ao medo já é uma forma de resistência.
Entre humanidade e palavras,
Cris
psicanalista que acredita que contar também é resistir e que escrever é a forma mais íntima de continuar de pé.
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A Pipoca só faz sentido com você na sala 🎥
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