Só sei que foi assim #11— Eu testemunhei a truculência policial e não consegui impedir uma agressão a um mendigo. Me senti um lixo.
Esse sentimento de impotência me lembrou justamente a eleição de Bolsonaro e os anos seguintes ao seu governo.
Por
Cristian Abreu de Quevedo
O Alienista
Sábado dia 06 de Setembro, aqui em Curitiba, entre as ruas Sete de Setembro (coincidência?) e Mariano Torres, eu estava indo correr quando vi uma viatura de polícia e dois policiais abordando, ou melhor, coagindo um mendigo negro. Importante falar que era um homem negro. Ele estava visivelmente assustado com as armas dos dois homens apontadas para ele. Não estava roubando, não estava gritando, não estava sequer pedindo ajuda. E pediria para quem, se a própria polícia que deveria resguardar sua vida e segurança era quem o ameaçava? A imagem dos olhos dele se encontrando com os meus, e eu ali, passando, vendo aquela cena sem conseguir sequer esboçar reação, não sai da minha cabeça.
Carros passavam e alguns deles buzinaram. “PAREM COM ISSO”” “O QUE É ISSO?!“ “NÃO BATAM NELE!“ eu ouvi e, novamente, os olhos do mendigo se encontraram com os meus quando, eu não sei bem como foi, ele foi acertado. Nesse momento eu virei o rosto inconscientemente… Me pergunto quantas vezes na vida eu já virei o rosto…
Na psicanálise, chamamos isso de encontro com o real: quando não há metáfora possível, quando a palavra falha diante da violência nua. O corpo reage com paralisia, vergonha, impotência. E, no entanto, é nesse ponto que o sintoma aparece. A cena que não conseguimos elaborar retorna na memória, nos sonhos, na escrita. Fica como dívida. Fica como ferida.
Não é à toa que lembramos da política quando vemos cenas assim. O governo Bolsonaro se sustentou em imagens de violência: corpos tombados pela pandemia, indígenas sendo expulsos de suas terras, negros assassinados sob o pretexto de “combate ao crime”. O olhar cúmplice de uma parte da população diante dessas cenas repete o gesto da minha própria paralisia diante do mendigo em Curitiba. Ver e não poder, ou não querer, intervir. A literatura já denunciou essa covardia tantas vezes. De Graciliano Ramos a Carolina Maria de Jesus, o Brasil se escreve no silêncio dos que passam ao lado da cena e fingem não ver. A violência policial contra corpos negros não é novidade, é repetição. É estrutura. Cada romance que toca nessa ferida nos obriga a reconhecer que não somos apenas espectadores, mas parte do mesmo palco.
No cinema, a imagem ganha força política. Penso em Bacurau, onde a violência institucional não é exceção, mas sistema. Penso também em Medida Provisória, onde o Estado inventa um modo de expulsar os corpos indesejados. Na tela, diferentemente da rua, a violência não nos deixa escapar. Ela insiste. Ela repete o que já conhecemos: a polícia que atira primeiro, pergunta depois.
O que me atravessa é perceber que a impotência diante da cena também é um lugar de gozo. Há quem se satisfaça em olhar, filmar, comentar nas redes, sem mover nada. A paralisia, nesse caso, é escolha. Eu, naquele momento, não escolhi. Congelado, me vi no mesmo lugar de uma sociedade que naturalizou a brutalidade. E isso dói.
Não mexe na minha estante!
Apocalipse nos Trópicos é um documentário brasileiro dirigido por Petra Costa sobre a influência do cristianismo evangélico na política de extrema-direita no Brasil. O filme estreou fora de competição no 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 29 de agosto de 2024
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Segunda: Só sei que foi assim… [esta news assinada pelas três vozes da Diretoria IS]
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Partilho do teu sentimento, Cris.
Alguns dias atrás vivi uma situação muito parecida. Na minha rua, em frente a minha casa, há uma pequena mercearia, onde na parte de trás, moram os donos. Um casal de idosos. Ressalto que o homem, um senhor magro, óculos de grau, sempre vestido em sua calça camuflada, pela manhã, senta na calçada e assiste a todo o volume religiosamente em seu celular, o canal da Band News. Nesses dias de chuva, enquanto fumava na janela, observei um homem em situação de rua, buscar abrigo debaixo do toldo dessa mercearia. O toldo se estende da porta da mercearia até a calçada, ou seja, ocupa um espaço público. O homem se sentou por ali com seus pertences e se cobriu com uma coberta. Isso era mais ou menos 20h da noite de um domingo. O dono da mercearia chegou em casa e viu aquele rapaz ali e se incomodou. Estacionou o carro dentro de casa e, junto com outro homem, talvez um parente, decidiu "correr" com o rapaz de lá. Aquela cena me cortou o coração. Eu entendo que o dono do estabelecimento não quer sujeira e nem que vire um ponto onde os moradores em situação de rua se acostumem a dormir ali. Mas por outro lado, o que custaria ele conversar com o rapaz e ceder aquele lugar, naquele momento, para ele? O que custaria ele pedir para o rapaz deixar tudo em ordem e que, no horário que ele fosse abrir no outro dia o estabelecimento, ele pedisse para que o rapaz se retirasse? Não havia necessidade de ser truculento e mandá-lo sair sob ameaça. O rapaz pegou suas coisas e antes de ir, pediu uma água. O homem pegou uma garrafa e entregou a ele, que bebeu de uma vez e foi embora. Me senti impotente. Pensei cmg "eu não posso, como gostaria, de fazer algo por ele, mas uma pessoa, diante dessa situação, que pode fazer alguma diferença e, mesmo assim, escolhe não fazer, certamente é uma pessoa muito pior". Fiz a minha parte em nunca mais consumir nada naquela mercearia. Prefiro dirigir 10 minutos até o mercado mais próximo. Sua sensibilidade é enorme, meu amigo. Não se deixe abater. É preciso continuar atento e forte. Estar na contramão das atitudes desses é uma benção. Já pensou admirar ou ser admirado por gente assim? Certamente algo não estaria certo. Grande abraço Cris, a você e toda a família IS!!