Só sei que foi assim #25 Entre o surto de Natal, a família e o “salvemos a democracia!”
Quando o peru esfria, o afeto falha e o autoritarismo bate à porta: entre o jantar em família e o colapso coletivo.
Todo ano é a mesma cena. Dezembro chega e, junto com as luzes piscando e as mensagens de “boas festas”, algo começa a apertar por dentro. A família se reúne, mas não exatamente como promessa de aconchego. Reúne-se como campo minado. Velhas histórias reaparecem, silêncios ganham volume, afetos se misturam com cobranças, e aquilo que passou o ano inteiro relativamente organizado dentro de nós começa a pedir passagem. O Natal, com sua estética de harmonia obrigatória, costuma ser menos sobre paz e mais sobre o quanto ela falta.
É curioso como, nesse cenário, a ideia de “família” funciona quase como uma pequena democracia em crise. Existem regras não ditas, hierarquias implícitas, figuras que mandam mais do que admitem e outras que aprendem cedo a se calar para manter a ceia funcionando. O conflito não desaparece. Ele apenas é empurrado para debaixo da toalha vermelha da mesa. E quem ousa romper o script corre o risco de ser acusado de estragar o clima, como se o clima já não estivesse estragado há muito tempo.
Ao mesmo tempo, o mundo lá fora insiste em bater à porta. Enquanto tentamos sobreviver ao surto emocional das festas, somos atravessados por notícias de retrocessos políticos, ataques às instituições, discursos autoritários embalados em frases simples e sedutoras. O “salvemos a democracia” aparece nas redes, nas conversas, às vezes até na mesa do Natal, atravessando o peru e o panetone. E aí tudo se mistura. O conflito íntimo encontra o coletivo. A briga familiar encontra a disputa política. O afeto ferido encontra o medo real de perder direitos.
Talvez o Natal seja justamente esse lugar desconfortável onde fica impossível fingir que o privado e o público não se tocam. A forma como lidamos com o diferente à mesa diz muito sobre como lidamos com o diferente na polis. Quem pode falar, quem é interrompido, quem é ridicularizado por pensar diferente, quem precisa sorrir para não causar escândalo. A democracia não começa nas urnas. Ela começa nesses pequenos pactos cotidianos, frágeis, imperfeitos, que fazemos ou deixamos de fazer.
Não é à toa que o surto aparece. Ele é sinal de que algo não fecha. De que sustentar a fantasia da família perfeita exige um custo psíquico alto demais. E talvez seja justamente aí que exista uma fresta de honestidade. Reconhecer o mal-estar, nomear o incômodo, recusar a ideia de que amar significa engolir tudo calado. O mesmo vale para a democracia. Salvá-la não é repetir slogans, mas sustentar o conflito sem desejar eliminar o outro.
Entre o surto de Natal, a família e o “salvemos a democracia”, talvez o gesto mais ético seja pequeno e difícil. Escutar sem anular-se. Falar sem destruir. Não ceder ao cinismo fácil nem à violência travestida de opinião. Nem sempre isso vai dar certo. Às vezes a ceia acaba em silêncio. Às vezes alguém levanta da mesa. Mas talvez seja melhor assim do que seguir fingindo uma harmonia que só existe à custa do apagamento.
No fim, sobreviver ao Natal e defender a democracia parecem tarefas menos distantes do que gostaríamos. Ambas exigem suportar o desconforto de viver com outros que não somos nós. E isso, definitivamente, não é pouco.
Não mexa na minha estante!
Quem avisa…?
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